domingo, 27 de maio de 2012

9. Feridas e raspadas de cabeça.





9.       Feridas e raspadas de cabeça.

Então ainda estando na primeira serie, na escola João Paulo IVX comecei a conhecer melhor os meus colegas, como eu estudava em uma escola de comunidade, tinham muitas crianças carentes. ( talvez até piores do que a minha situação)
Lá, conheci uma menina que já chegou na turma chorando. Era gordinha, cabelos ruivos e crespos ( curtos, mal cortados) tinha olhos claros, joelhos gordos e totalmente esfolados..
Muitas marcas e feridas de cair no chão, de tantos tombos. ( acho que ela não conseguia andar direito) ela estava sempre tropeçando, sempre caia, mal conseguia subir os degraus.

As crianças da turma perceberam a sua fragilidade e começaram então a empurra-la propositalmente ao chão, para que ela caísse realmente e se machucasse mesmo. ( faziam isso e saiam correndo)
Lembro-me que uma vez na saída para o intervalo, toda a turma saiu disparada correndo pela porta e todos empurraram aquela garotinha. Ela ficou lá chorando, todos saíram correndo na frente. ( a professora já havia saído na frente também com os alunos).

Eu logo percebi que ela estava chorando e a encontrei caída no chão.(eu também costumava sair por ultimo da sala)
Ela estava chorando muito, pois havia aberto algumas cascas de seus machucados (que haviam virado já feridas)  

Estava saindo muito sangue, escorria pela sua perna.
Então me abaixei para falar com ela tentando ajuda-la, mas não lembro o que falei
Mas naquele momento ela nunca mais saiu da minha cabeça. 

Não sei o seu nome. Não onde está.
Lembro que ficamos amigos por pouco tempo, emprestávamos nossos lápis de cor.  
Mas logo a trocaram de escola.

O que terá acontecido com aquela gordinha de joelhos esfolada?


-
Lá conheci também 2 irmãos. A Maria ( que já havia repetido a primeira serie) e o irmão dela. Eram duas crianças carentes que moravam mais abaixo do vila..
Maria sofria muito bullying, era chamada de piolhenta, magricela pela turma inteira. Não fazia as provas e não costumava estudar.
Conforme o tempo fui conhecendo melhor Maria, depois da escola eu a via voltando da creche com um bebe agarrado em seu colo (ela com a mochila nas costas e o bebe em outro braço com as pernas entre a cintura dela). 

Descobri então que era seu irmão mais novo aquele bebe e que na verdade ela tinha MUITOS irmãos,
eram todos muito pobres e a mãe deles era trabalhava com Carroça (de cavalo), reciclando para poder sustentar o restante dos filhos. 
 
Muito pobre perto de mim e minha mãe, com aquele salario de 150, 00 de merda na época.
Foi então que comecei a ficar amigo de Maria, peguei piolho de Maria. E eu adorava e dava a mínima para aquilo. Afinal tinha a cabeça raspada constantemente.

Certa vez Maria chegou na sala com a cabeça completamente raspada também. Pois a mãe dela havia recebido reclamações vinda de outros pais e viu-se obrigada a raspar a cabeça de todos os filhos.

O nível de bullying foi bem MAIOR.

Mas ela enfrentava todos, falava palavrão, revidava e parecia conseguir lidar bem com tudo aquilo. Era invocada e batia se fosse preciso. Todos tinham medo dela.

Uma vez descobri que na saída da escola a Maria passava lá na cozinha do refeitório para levar Leite   ( em uma garrafa pet de plástico de 2 lt) e algumas bolachas Maria ou o que sobrava do dia pra casa, para seus outros irmãos menores.
Ela fazia isso com frequência, pois depois que ficamos amigos éramos sempre os últimos a sair daquela escola, comecei a ajudar ela a carregar as coisas até uma parte do caminho.

Voltávamos sempre alegres, cantando ou rindo de alguma coisa.



Hoje eu só consigo pensar, de onde ela tirava aquela confiança toda.
Aquela alegria?

- Obrigado Maria.



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